segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Triste

Tudo começou quando inventei de arrumar a casa. Você está numa fase de querer roubar a minha atenção a todo custo. Eu sei, eu sei, eu sei! Você merece mais. Talvez, se eu disponibilizasse um pouco mais do meu tempo para estar com você, tal situação fosse menos frequente.

O problema é que faço muitas coisas, por inúmeros motivos. O primeiro deles é a sede de realização que tenho. Se não trabalhar, eu piro! O segundo é porque preciso pagar minhas contas. Já o terceiro está atrelado ao primeiro: luto, mais que tudo, pela minha emancipação. Sabe por quê? De novo, a ideia de insignificância entra em cena: me acho tão incapaz de produzir algo bom, que me propus o desafio de conseguir me emancipar, para provar que tenho poder de realização.

As marcas do desamor na alma de um indivíduo são severas e refletem em sua vida, sob todos os aspectos. Talvez, essa seja a origem do meu complexo de inferioridade. A partir daí, tudo o que faço, bem como todas as atitudes que tomo, se baseiam nele.

É muito provável que eu evite a convivência com você, exatamente porque me remete ao fato de ter sido abandonada, mesmo tendo pais. O vovô era totalmente ausente e a vovó era uma mãe presente apenas fisicamente, porém distante emocionalmente.

Cuidar de você, desde o seu nascimento, tem sido um peso enorme. Felizmente, graças ao meu processo de autoconhecimento, tem se tornado mais leve a cada dia, embora estar em sua presença me incomode, principalmente se eu estiver com TPM.

É estranho, mas deveria ser o contrário: já que fui abandonada, eu deveria desejar lhe dar justamente o que não tive. Mas não. A dor se manifesta, deixando-me impaciente. É como se não tivessem tido paciência comigo. Sei lá! É tudo tão obscuro.

Hoje, ao pedir que você arrumasse seu armário, utilizando toda aquela técnica da maternidade consciente, me abaixando, olhando nos seus olhos e falando baixinho, levei um baita beliscão na bochecha. Não me contive e bati em seu braço. Foi instintivo. Aliás, passei anos da minha vida agindo dessa forma, porque vivia apanhando do meu irmão, seu tio.

Como isso nunca tinha acontecido, imediatamente, você me lançou um olhar de sofrimento interno, com lágrimas nos olhos, porém, segurando o choro. Pude ver a dor que causei em seu coração. Começamos a chorar e você logo se afastou quando eu quis lhe abraçar para pedir desculpas.

Em seguida, desesperada, comecei a me perguntar, ainda chorando, como resolver essa questão. Como eu daria amor a você, se eu não o tive? Como lhe ensinar a ser amorosa, se eu mesma não sou? E se o problema não for esse? Como resolverei algo que não tenho certeza se realmente ocorreu?

O papai também sofre dessas consequências do desamor e também evita estar com você, embora faça o sacrifício. Mas é evidente que também é pesaroso para ele.

Então, o que será de você? Depois de ter derramado todas as lágrimas, recorri ao único recurso que só saberei de sua eficácia daqui a uns anos: a verdade.

Fomos conversar... Eu e seu pai não aprendemos a amar, porque nossos pais também não aprenderam e, portanto, não puderam nos ensinar. Nós estamos aprendendo juntos e você muito nos ensina, através desse seu jeitinho doce e sapeca. Mais uma vez, me desculpe.

É muito difícil escrever essas coisas, principalmente porque tento ao máximo lhe dar o amor que você merece. Entretanto, vivi rodeada de conflitos, procurando a minha verdade mais do que nunca e jamais me contaram. Deixo aqui, então, todos os registros, para que você entenda sua história e o quão amada você é por todos nós, eu, o papai, seus avós, seus tios e suas primas.

Nos abraçamos e voltamos à arrumação do armário, desta vez, brincando.

Imagem: Pixabey

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