terça-feira, 30 de agosto de 2016

Irritada

Estava eu me preparando para tomar banho, brincando com você, quando o telefone tocou três vezes, uma atrás da outra. Depois, foi o celular do seu pai, que, por sua vez, já veio aperreado...

Era o vovô, quase desfalecendo de tanto chorar. Seu irmão, que estava no hospital, desde o dia anterior, havia falecido. Teve uma parada cardíaca.

Imediatamente, larguei nosso banho e corri para tentar estar na presença do meu pai o mais rápido possível. 

Coincidentemente, no dia anterior, conversei com o papai sobre o por quê do nosso tempo aqui na terra e comentei que a vida é foda. Não gosto desse tipo de palavra, mas era só o que me vinha na cabeça.

Não pedimos para nascer e ainda somos seres pensantes! Isto é o que mais me incomoda. Se eu fosse pelo menos uma flor ou algum animal que cresce, reproduz e morre sem ter a capacidade de pensar, talvez fosse menos doloroso, pois não teria noção do fim ou pelo menos este seria tão natural que a serenidade se esparramaria em plenitude, diante de qualquer sinal de morte.

Foi aí que comecei a me questionar… “Por que nos desesperamos tanto diante do fim, se este é o curso natural da vida? Choramos por quem? Pelo defunto ou por nós? Por que não encaramos essa realidade com a mesma alegria envolvida na celebração da vida? Será que temos é medo do desconhecido?”

Comecei a ficar irritada, por não ter controle sobre isso. O por quê dessa irritação??? Mais questionamentos...

A morte é para quem fica, afinal toda pessoa que morreu vai em paz. Pode ser a pessoa mais infeliz do universo. Quando morre, o semblante imediatamente perde as expressões e se pacifica. Então, choramos por nós, pelo medo da experiência que se aproxima.

Me irrito, porque não queria largar o osso, abrir mão de coisas materiais, perder tudo!!! A minha vida fecharia com chave de ouro se, após a minha morte, eu encontrasse um dia com você, o papai e todos os meus familiares. Mas não quero especular sobre isso. Nem daria!

Me irrito porque me ensinaram que estudar para produzir e dar dinheiro a alguém mais esperto, é o essencial. Me irrito, por não conseguir ter uma vida plena, porque estou perdida em meio a questões que foram levantadas aqui na terra, distantes do menor sinal de eternidade.

Me irrito, porque me disseram que o nascimento é bom tanto quanto a morte é ruim. Me irrito, porque meu pai teve a vida toda para conviver com o irmão e agora chora de desespero, por talvez não ter convivido o quanto desejaria. 

Me irrito, porque aprendi que tantas coisas tomam meu tempo, quando eu poderia estar desfrutando da sua presença e do papai. Me irrito, por ter abandonado minhas aulas de piano, porque me disseram que a vida só teria futuro se eu fizesse um curso importante na faculdade.

Me irrito, porque vou vivendo um dia após o outro, como se estivesse apenas esperando a vida acabar. Me irrito, porque não toco mais piano e cortei a música da minha vida, porque nunca me deu dinheiro suficiente para pagar minhas contas.

Me irrito, porque hoje não consegui dar um sentido à minha vida, diante de tantas verdades escondidas por trás de valores sociais tão efêmeros.

Me irrito, porque é difícil aceitar a morte como algo natural, que deveria me fazer pensar na essencialidade da vida.

Com certeza, tem algo errado.

Imagem: Pixabay

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